sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Chico Otavio: é válida a informação que vem do submundo

Maira Renou e Marcos Abreu

Chico Otavio, repórter especial  da editoria O País, do Globo, falou sobre a cobertura  política no Brasil, o processo da reportagem, os desafios  do jornalismo político. Confira o que ele pensa sobre assuntos polêmicos como a cobertura da vida pessoal dos políticos, a tradição da imprensa brasileira em não assumir posicionamento político e a influência da linha editorial nos textos, entre outros temas. O jornalista estará na Controversas esta terça-feira, 9 de novembro, às 16h.

Desafios na cobertura das eleições
"Eu sou repórter do jornal impresso, o principal desafio não é diferente do enfrentado nas outras editorias, que é a concorrência com o tempo real. Hoje é tudo é muito rápido, a velocidade virou um valor importante na nossa profissão e o grande desafio do repórter de papel é apresentar um material diferenciado. Nesta eleição fizemos uma cobertura muito centrada na cobertura presidencial, com algum foco na disputa ao governo do estado, e quase nenhum na disputa proporcional. Passamos batido pela disputa das cadeiras da Assembléia Legislativa e da Câmara dos Deputados. 

Eu particularmente fiquei cuidando de um perfil dos dois principais candidatos da presidência. Dentro dessa realidade, é necessária muita leitura e pesquisa para descobrir uma saída que não esbarre nas informações divulgadas nos meios eletrônicos. A gente conseguiu publicar duas histórias mais ou menos parecidas, que eu chamaria de histórias de “carcereiros do bem”: a do Major chileno que salvou a vida do Serra e a do diretor de prisão  que permitiu Dilma a ensinar a presos comuns matemática e outras disciplinas do vestibular. É uma maneira de você fazer um perfil sem repetir tudo que já está disponível na rede e em outras plataformas de informação."


Relação com as fontes na cobertura de política
"Bem (que Deus a tenha em bom lugar), mas não vai ser a Dona Zilda Arns a nos trazer uma informação sobre uma tentativa de corrupção, não é a pessoa santa que fala. Quem traz é o cara que tem os interesses contrariados, vem de pântano essas informações. Como a gente resolve esse tipo de demanda? Com apuração. A apuração é o grande momento do repórter. É ela que vai indicar se o dado tem consistência, se é intriga pura, uma mentira para atingir ou arranhar uma imagem. Passado esse período, se essa informação original, mesmo partindo do submundo, se confirmar, se tiver consistência e relevância, eu sou absolutamente a favor de dar. Ainda mais em tempo de eleições que vira essa lavação de roupa suja."


Apuração
"Com pouco tempo, é espinhosa. Quando precisamos correr contra o relógio, algumas decisões são difíceis, precisamos decidir qual é a melhor plataforma, o que vai para o papel, o que vai para internet, o que pode esperar, o que não pode
Não tem uma regra. O primeiro cuidado para uma boa apuração é um caderno com fontes pra você identificar qual é a melhor para cada assunto tratado. No caso do  major  que salvou Serra, ele era chileno, morreu há mais de 30 anos, e fui achar uma parenta dele no Facebook.  As mídias sociais têm ajudado."


A questão da parcialidade na cobertura política
"Olha, é uma tradição da imprensa brasileira [não posicionar-se a favor de um candidato], mas isso está mudando. Vou te dar um exemplo: a revista Veja, na época do plebiscito das armas, se posicionou, assumiu publicamente cobriu o tema de forma transparente. Agora ,o Estadão se posicionou nas eleições presidenciais. O jornal optou pelo Serra, porém esse posicionamento não contaminou a cobertura.  Pessoalmente, eu acho que é indiferente  [tomar posição] se nós conseguirmos fazer uma cobertura equilibrada que deixe num mesmo nível todos os lados. Posicionando-se ou não, o jornal é responsável."

Cobertura política no Brasil
"A nossa experiência em cobertura política é muito recente porque a nossa experiência democrática não é tão grande. Havia uma liberdade de imprensa no Brasil nos anos 50, de Jucelino Kubistchek, ainda aí a imprensa em geral começava a abandonar os textos extremamente opinativos e começava a cuidar de informação, foi aí o jornalismo político começou a esquentar os motores. Quando os motores estavam aquecidos, veio o Golpe Militar e com ele o hiato de vinte e quatro anos na cobertura política. 

A gente sofreu bastante, as editorias de política da imprensa tradicional praticamente foram todas desativadas. Os jornalistas migraram pra outros setores, coluna social, esporte, economia, imprensa alternativa. Só depois de 85 voltou ao curso normal... 85 foi ontem! A gente tem tido muito acerto, mas ainda falta muito. Digamos que estamos passando por momento de amadurecimento."

O que está faltando?
 "Primeiro, aumentar o foco na atividade legislativa e nos partidos políticos. É preciso despersonalizar a cobertura política, deixar um pouco de lado os grandes mitos e começar a falar de programas, de posicionamento partidário, de projetos.... Deste lado nossa experiência está um pouco atrás. Mas, desenvolveu-se no Brasil, uma excelência em cobertura de denúncia, dessa luta pressionada pela sociedade em defesa da ética na política, nesse ponto acho que estamos mais avançados.  A balança é positiva para  a imprensa brasileira."

Vida pessoal dos políticos
"Eu acho importante [focar na vida pessoal dos políticos], ajuda a construir um personagem. Se ele é um cara que agride a mulher, abandonou os filhos, teve alguma impostura doméstica com a mãe, a família etc, isso ajuda a construir uma opinião sobre esse cidadão. Se está na chuva, é pra se molhar. Então é natural, é legitimo que haja um interesse nesse lado pessoal. Pra mim, político não tem vida pessoal. A vida dele é publica. Imagina se ele tem uma amante e aí ele dirige uma concorrência para favorecer uma empresa que vai favorecer esse amante? Tem que mais é que mostrar, é dever do repórter mostrar isso aí."


Influência da linha editorial do jornal
"Sou suspeito, não me lembro. Em treze anos de jornal, eu não me lembro de ter recebido alguma intervenção num trabalho meu. O jornal tem a sua linha editorial, alguns posicionamentos em relação a temas no campo moral, mas nunca tive qualquer tipo de dificuldade por causa disso. Sinceramente, eu acho que é um pouco de mito. Não há como controlar todos os repórteres. 


Cobertura humorística da política
"Adoro! Morri de rir, fui cobrir a passeata dos humoristas que estavam lutando pra liberar o humor na campanha eleitoral e fiz um texto até engraçado sobre o que eles fizeram lá, né? O que eu acho que é essencial, tá na tradição da imprensa brasileira, o humor como  forma de crítica. Essa foi, aliás, uma trincheira de resistência importante nos anos da Ditadura Militar. Apoio, curto e admiro totalmente."


Um comentário:

  1. "O jornal tem a sua linha editorial, alguns posicionamentos em relação a temas no campo moral, mas nunca tive qualquer tipo de dificuldade por causa desse posicionamento" A intervenção no trabalho do jornalista se dá bem antes da matéria ser escrita. Acontece muito sutilmente já na hora de se definir a pauta! É nesse momento que o bom jornalista deve saber intervir.

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