segunda-feira, 8 de novembro de 2010

“Nunca escondi o fato de ser comunista”


Anabel Moutinho

Che Oliveira revela que sua posição política não lhe causa conflitos na emissora onde trabalha atualmente como repórter (Band), mas que em outras emissoras pelas quais passou não foi bem assim. Ex-aluno da UFF, Che divide conosco ensinamentos e decepções profissionais que viveu desde a época de faculdade até hoje.

Você integrou o  DA (Diretório Acadêmico)
, esteve na luta contra muitos atos praticados pela mídia hegemônica. Como foi pra você passar, digamos assim, para o "lado de lá"? Você teve muitos conflitos? 
Fui do Diretório Acadêmico ainda no primeiro período da faculdade, fazendo parte, inclusive, da 1ª Semana Acalorada, no segundo semestre de 1995. Por sorte, meu primeiro estágio (e consequentemente primeiro emprego) na chamada "Grande Mídia" foi na TV Bandeirantes, onde nunca tive (nos três períodos em que passei por lá, inclusive o atual) problemas de cerceamento, censura ou balizamento da filosofia da empresa em relação às coberturas das quais participei, fossem elas policiais, culturais ou políticas.

E em outras empresas?

Tive a oportunidade de passar por outras empresas (Globo, Rede Tv! e Record) nas quais a postura não era a mesma. Conflitos sempre há, discussões são inevitáveis mas o profissional deve saber ter o conhecido 'jogo de cintura' para não se perder no romantismo ideológico. Afirmo isso com a maior tranquilidade porque nunca escondi o fato de ser comunista, filiado do PCB desde o final da década de 1990 (antes de entrar para a UFF, inclusive) e usava o broche do partido, inclusive, nas mochilas usadas para guardar meu material de trabalho. Nunca me vi diante de um paradigma ético que me obrigasse a tomar uma atitude mais drástica. Para se ter uma idéia, eu, sendo Che Oliveira, fui escalado para fazer a cobertura da visita do líder cubano Fidel Castro à cidade de Niterói pela Band.

Você saiu da Faculdade um repórter completo porque fazia câmera também. Seu primeiro trabalho como profissional foi de réporter-abelha. Você poderia contar um pouco dessa sua primeira experiência e como foi que você conseguiu esse trabalho?

Em 1997, a Band decidiu contratar um vídeo-repórter nos moldes da CityTv, uma emissora canadense que só transmitia notícias locais com uma equipe de jornalistas multimídia. O formato foi explicado à toda redação e testes feitos com repórteres, editores e até cinegrafistas interessados. Foi difícil encontrar uma linguagem que fosse diferente do tradicional off-passagem-sonora e que não se assemelhasse aos planos sequência usados pelo extinto telejornal "Aqui Agora", do SBT, e que hoje são reproduzidos principalmente pela Record.

E depois?
Eu, estagiário, decidi aprender a dominar uma máquina gigantesca, uma DVC PRO Panasonic, e produzi uma pauta por conta própria. Aproveitei o fato de ter sido estagiário na assessoria de Imprensa da ANDEF (Associação Niteroiense de Deficientes Físicos) e descobri que um portador de deficiência (sem uma das pernas) iria competir como piloto na etapa Rio de Stock Car (corrida automobilística feita com automóveis de passeio usados em competições) no Autódromo de Jacarepaguá. Marquei, fiz a matéria, e editei. Acabei contratado na hora. Foi a única matéria inédita exibida na reestréia do Jornal do Rio em julho de 1998.

Conseguiu o que buscava, uma inovação na linguagem televisiva?
Acabei, sem querer, criando um formato novo: aproveitei que qualquer câmera trabalha com dois canais de áudio (geralmente um para entrevistas através de microfones e outro para captar o ruído ambiente, chamado de "boom" ou "BG", de "background") e coloquei dois microfones ao mesmo tempo - um de lapela ficava comigo, para registrar as minhas perguntas, narrações e intervenções; o outro, para entrevistas. Ajustava o foco através para controlar a distância entre mim e o entrevistado e, assim, eliminei a necessidade de deixar o microfone ou na mão do próprio entrevistado ou com uma terceira pessoa.

Tudo sozinho?
Eu fazia a função de cinco profissionais ao mesmo tempo - apurava, produzia, filmava, entrevistava e editava. Óbvio que as reações foram imediatas. O Sindicato dos Radialistas, principalmente, viram na iniciativa uma brecha para o enxugamento das redações, afinal, não seria mais necessário o cinegrafista. O que poucos entenderam é que se tratava de mais um formato, não de substituição às equipes tradicionais. Curioso é ver que, mais de dez anos depois, onde antes se via um carro de reportagem com motorista, auxiliar, cinegrafista e repórter, hoje se tem até cinegrafistas dirigindo o veículo da emissora, tendo como companhia apenas o repórter, sem nenhuma medida enérgica dos ditos representantes de classe. A experiência, curta, foi fundamental para a minha formação.

De que modo? 
Em pouquíssimo tempo, pude aprender todas as etapas de produção de uma matéria telejornalística antes mesmo de ser formado. Uma bagagem que vai me acompanhar pelo resto da vida. A grade curricular da UFF só me proporcionou contato com o mundo audiovisual graças à interação das habilitações em Comunicação Social, mas mesmo assim ressalvo que ela só acontecia graças ao interesse de cada aluno. Nunca fiz cursos complementares, tudo o que aprendi foi na base do "self-made man".

 Você que foi estudante de jornalismo na UFF acredita que a grade do curso prepara o aluno para o mercado ou ela apresenta deficiências. Se sim, quais?
Lembro-me de que, nas primeiras semanas de estágio na Band (1997), a única coisa que eu queria era sair da redação o mais rápido possível. O ritmo alucinante do veículo me assustou num primeiro momento. E isso se dava porque, na época, a UFF era muito direcionada para o meio impresso. A experiência dos professores em jornais de relevância dentro do cenário jornalístico de então, como o falecido Jornal do Brasil, se por um lado dava uma bagagem absurda de recursos linguísticos e de rigor na apuração (coisa que uso e abuso hoje, e que me dá um diferencial em relação à garotada que chega hoje só preparada para televisão), não vinha contrabalançada com meios técnicos (equipamentos mesmo) que pudessem preparar o estudante para a selva de uma redação de TV. Não sei como anda o preparo em relação às novas mídias sociais, que são ferramentas indispensáveis ( não únicas) para a tão sonhada sinergia entre os meios de comunicação, mas sem elas o profissional de Jornalismo fica refém de uma época que, além de não voltar mais, virou página de livros de memória.

Você costuma cruzar no seu meio profissional audiovisual com ex alunos da UFF? Se não, que motivo(s) você vê para isso não acontecer?
Raros, principalmente em TV. Mais uma vez consequência de, na época, pouca possibilidade técnica de experimentação na área.

Qual foi seu principal ensinamento depois que entrou no mercado de trabalho?

Ensinamento pleno: "Trate bem as pessoas na subida porque você vai encontrá-las na descida"

O quê você imaginava e nunca aconteceu ou saiu de forma diferente?
Decepção: o termo 'coleguinhas' para designar a classe jornalística é uma fraude. Deveria ser 'panelinhas'.


Che Oliveira vai participar da mesa "O mercado hoje, na perspectiva de ex-alunos da UFF". Será no dia 11( quinta feira) às 19h no auditório Macunaíma, bloco B, Campos Gragoatá- Niterói. Também participarão da mesa: Júlio Lubianco, Herica Marmo, Mariana Costa e Ana Paula Costa.



Che Oliveira nas Mídias Sociais: FacebookTwitter

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